A URBANIZAÇÃO BRASILEIRA - ÚLTIMA PARTE | FICHAMENTO

 

TEXTO ANTERIOR: A URBANIZAÇÃO E A CIDADE CORPORATIVAS

SANTOS, Milton. A URBANIZAÇÃO BRASILEIRA. 5. ed. São Paulo: Edusp, 2013.


TENDÊNCIAS DA URBANIZAÇÃO BRASILEIRA NO FIM DO SÉCULO XX

“Falar sobre o futuro da urbanização e das cidades é coisa temerária. Mas não falar sobre o futuro é deserção. Não se trata do futuro como certeza, porque isso seria desmentir a sua definição, mas como tendência.” (p. 129)

A primeira edição desta obra é de 1993, sendo esta, que estamos resumindo uma espécie de revisão e complementação. Naquela época, Milton Santos apontou algumas tendências para a configuração das cidades e do espaço urbano brasileiro a partir dali. Para isso, ele se apoia na observação dos dados e fenômenos ocorridos anteriormente, muitos deles já citados nesta obra e nos textos anteriores.

Na sua perspectiva, a população urbana no Brasil seria muito acima dos 80% no final do século passado. Para isso, Santos se baseou no crescimento apresentado entre os anos 1940 e 1980, apontando, assim, uma tendência de crescimento acelerado. Mas, o autor alerta para o perigo de analisar apenas os números, ignorando a dinâmica demográfica e negligenciando o espaço. Esse reforça este cuidado ao escrever que

“O futuro é formado pelo conjunto de possibilidades e de vontades, mas estes, no plano social, dependem do quadro geográfico que facilita ou restringe, autoriza ou proíbe a ação humana. Alcançar intelectualmente o futuro não é questão estatística, nem simples arranjo de dados empíricos, mas questão de método.” (p. 130)

O espaço, para Santos, deve ser visto como instância social inseparável das ações humanas, o que o leva a considerar as características do meio técnico-científico. Logo, o espaço geográfico é presente e tendência, nos permitindo projetar o futuro.

Ele fala de um Brasil emergente, muito diferente daquele existente na primeira metade do século XX. Tomado pelo meio técnico-científico, dotado de ciência, tecnologia e informação, criando espaços opacos e espaços inteligentes que funcionam sob lógicas e dinâmicas próprias, mas submetidos à regulação em escala nacional e global.

Sendo assim, uma nova dicotomia se instalou sobre o território em substituição aos tradicionais Brasis urbano e rural. O país agora é urbano e agrícola, onde a presença do meio técnico-científico é predominante, intensificando as relações e dando aos espaços maior vigor ao processo de urbanização e aprofundando a divisão social do trabalho. Tal característica fez aumentar a mobilidade no país, já que

“Eram 8,5% de brasileiros ausentes de seu Estado de nascimento em 1940, 10,3% em 1950, 18,2% em 1960, 31,6% em 1970, 38,9% em 1980. Mais da metade dos brasileiros estariam vivendo, no fim do decênio, fora de seus lugares de origem.” (p. 132)

A tendência de maior urbanização do território está evidente na progressiva redução da população rural em relação à população agrícola, na queda das taxas de natalidade, fertilidade, fecundidade e mortalidade no país, além do forte crescimento da população economicamente ativa, classificada pelo autor como aquela com idade entre 15 e 60 anos. Outra evidência importante é o aumento do desemprego, reflexo do aumento da população urbana.

Esta tendência apresentada por Milton Santos suplanta aquela apontada por estudiosos que falavam numa “evolução inversa” das cidades. Tal visão é fruto da má interpretação sobre as baixas taxas de crescimento populacional em algumas gigantes cidades nos últimos anos. Para o autor, essa mudança é fruto do desemprego e do subemprego, resultados da unificação do mercado urbano. Segundo Milton Santos,

“Esse mercado urbano unificado e segmentado leva a novo patamar e questão salarial, tanto no campo como na cidade. O fato de os volantes vivendo na cidade serem ativos na busca por melhores salários, esse constitui também um dado dinâmico na evolução do processo de urbanização, bem como no processo político do país.” (p. 134)

Para Santos, as cidades presentes nas metrópoles regionais cresceriam em força e quantidade por conta da aquisição de conteúdo nacional e maior intensidade das relações interurbanas. Tal transformação fez com que elas estivessem crescendo mais rápido que São Paulo e Rio de Janeiro, o que não invalida, no entanto, a posição de comando destas últimas e de Brasília.

No processo de metropolização, novas cidades grandes estão surgindo, o que mostra que o crescimento da urbanização no país está longe da saturação prevista por alguns. Esse fenômeno se dá em paralelo à desmetropolização, caracterizada pela difusão concentrada urbana e aumento das cidades médias sem reduzir o tamanho urbano das metrópoles. Essas novas cidades médias se tornam o locus do trabalho intelectual, promovendo a exigência cada vez maior de mão de obra qualificada, expulsando para os grandes centros, maiores e mais diversos, os mais pobres e despreparados para esta nova tendência.

As grandes metrópoles nacionais apresentariam menor taxa de crescimento econômico abaixo da média regional e nacional, fruto da ida das empresas hegemônicas para as periferias metropolitanas. Mas isso não reduziria seu papel de destaque, já que as grandes metrópoles estariam se consolidando como metrópoles informacionais em sobreposição às industriais, com concentração de poder decisório a serviço dos atores hegemônicos, criando uma nova hierarquia urbana.

Nela, a especialização regional, para atender os desígnios do consumo produtivo e divergência à demanda e respostas locais, promoveria a necessidade cada vez maior de saber, conhecimento e trabalho intelectual. Assim, o espaço produtivo passa a ser definido pelos sistemas de engenharia e sociais, determinando o grau de avanço urbano. Neste novo sistema espacial, a espessura cresce ainda mais, dada pela profundidade da atuação do meio técnico-científico no espaço e determinada pela sua fluidez

Assim, saímos da urbanização da sociedade para a urbanização do território, onde as variáveis e nexos modernos se difundem mais rapidamente no espaço. Entre estes nexos e variáveis, está o espectro do consumo, na época de Santos ainda distante de ser completado, já que ainda persistem as pequenas cidades e desproporção entre número de consumidores e de objetos a serem consumidos.

Para interpretar estas tendências, o autor aponta como fundamental analisar os impactos da redistribuição fiscal imposta pela Constituição de 1988 e não se deve desconsiderar o contexto internacional. A compreensão passa também pela identificação das impactos na oligopolização nas cidades promovidos pelas políticas públicas adotadas.

Era preciso, ainda, ver como se daria a flexibilização tropical do trabalho e se o mercado absorveria a mão de obra presente nas cidades. Tudo depende de como se daria o trabalho, quase sempre atrelado à forma da urbanização, podendo ou não ser o início de uma nova consciência política. Santos deixa uma mensagem final para encerrar este belíssimo trabalho:

“Ora, a vontade política é o fator por excelência das transfusões sociais. Nesse particular, as tendências que a urbanização assume neste fim de século aparecem como dado fundamental para admitirmos que o processo irá adquirir dinâmica política própria, estrutural, apontando para uma evolução que poderá ser positiva se não for brutalmente interrompida.” (p. 140)

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