A GEOGRAFIA CRÍTICA | FICHAMENTO

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MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. 21. ed. São Paulo: Anablume, 2007.

A GEOGRAFIA CRÍTICA

“Os autores da Geografia Crítica vão fazer uma avaliação profunda das razões da crise; são os que acham fundamental evidenciá-la. Vão além de um questionamento puramente acadêmico do pensamento tradicional, buscando as suas raízes sociais.” (p. 119)

A corrente de renovação do pensamento geográfico em oposição à Geografia Pragmática foi a Geografia Crítica. Posta de maneira radical diante da Geografia Tradicional e da Pragmática, esse movimento rompeu profundamente com o pensamento anterior, propondo uma Geografia verdadeiramente militante.

Defendia-se, então, além da revisão das estruturas do conhecimento geográfico, a transformação da realidade social, sendo a Geografia um dos caminhos para sua realização. Dessa forma, ao invés de se colocar como neutra ou técnica, a Geografia Crítica assumiu o conteúdo político de sua análise, acreditando ser um instrumento de libertação social.

Diferentemente dos pragmáticos, os geógrafos do movimento crítico apontaram problemas da Geografia Tradicional que iam além da sua metodologia positivista. Tratou de evidenciar os equívocos na própria estrutura acadêmica que formava os geógrafos, dentre eles o apego às velhas teorias, O cerceamento da criatividade, o isolamento dos geógrafos entre si e com outros cientistas, a má formação filosófica e a pretensa despolitização de seu discurso, que afastava a Geografia das questões sociais colocando-a como uma observadora distante dos fenômenos.

Os participantes do movimento da Geografia Crítica procuraram desmontar, sobretudo, o discurso da neutralidade defendido pela Geografia Tradicional e o do tecnicismo exaltado pela Geografia Pragmática ao apontar seus vínculos com o imperialismo e com o grande capital burguês e a dedicação de seus trabalhos e pesquisas ao Estado e às corporações.

A assumir essa pseudo-objetividade e acreditar na harmonia que regeria a organização do espaço, a Geografia ignorou as contradições sociais, acobertou as relações entre os seres humanos e se comprometeu com a dominação de classe promovida pelos poderosos do momento. Moraes deixa isso claro ao escrever que

"[...] os geógrafos críticos apontaram a relação entre a Geografia e a superestrutura da dominação de classe, na sociedade capitalista. Desvendaram as máscaras sociais aí contidas, pondo à luz os compromissos sociais do discurso geográfico, seu caráter classista." (p. 120)

Jean Dresh, geógrafo francês cujas obras foram escritas nas décadas de 1930 e de 1940, foi um dos primeiros a assumir um discurso político crítico, abrindo as portas para a discussão política na análise geográfica. Em trabalho, ele valorizou o elemento humano no espaço e permitiu a diferenciação entre o meio natural e o meio geográfico. A região para ele era um produto da história humana.

Um livro escrito pelos geógrafos Pierre George, Yves Lacoste, Bernard Kayser e Raymond Guglielmo, intitulada “Geografia Ativa” foi a primeira manifestação da renovação crítica Em oposição à Geografia Aplicada proposta pelos pragmáticos, esta obra propõe desnudar as contradições do capitalismo nas análises regionais, consagradas pela Geografia Tradicional. Segundo Moraes,

"Tratava-se de explicar as regiões, mostrando não apenas suas formas e sua funcionalidade, mas também as contradições sociais aí contidas: a miséria, a subnutrição, as favelas, enfim as condições de vida de uma parcela da população, que não aparecia nas análises tradicionais de inspiração ecológica." (p. 124)

Sem dúvida, entre os maiores expoentes da Geografia Crítica, está o francês Yves Lacoste. A mais radical crítica à Geografia Tradicional está em sua obra, originalmente chamada de “A Geografia serve, antes de mais nada, para fazer a guerra". Nela, Lacoste aponta a existência de duas Geografias: A Geografia dos Estados Maiores, segundo ele, sempre existiu ligada à prática do poder. É ela quem auxiliar os Estados e as empresas monopolistas em seus projetos de dominação do espaço. 

A Geografia dos Professores, por sua vez, é a que Lacoste aponta como a Geografia Tradicional. Sua dupla função consiste em esconder a existência da Geografia dos Estados Maiores, apresentando a disciplina como um saber inútil e maçante; a outra função da Geografia dos Professores é fornecer dados sobre os vários lugares da terra para os Estados Maiores sob a camuflagem de conhecimento despolitizado.

Lacoste autodenominou seu trabalho de guerrilha epistemológica. Em sua trajetória denunciou o conhecimento geográfico como um dos instrumentos da dominação burguesa, questionou os compromissos sociais e posicionamentos da Geografia e propôs uma renovação que antagonizasse com a Geografia Tradicional. Moraes acrescenta que

"Esta é a via revolucionária da renovação do pensamento geográfico, que agrupa aqueles autores imbuídos de uma perspectiva transformadora, que negam a ordem estabelecida, que veem seu trabalho como instrumento de denúncia e como arma de combate; enfim, que propõem a Geografia como mais um elemento na superação da ordem capitalista." (pp. 121-122)

Pierre George, outro geógrafo francês cuja obra é extensa, foi um dos pioneiros na introdução de conceitos marxistas na análise geográfica, trazendo temas como as relações de trabalho, as formas de produção e a ação do grande capital no espaço. David Harvey, britânico, rompeu radicalmente com a Geografia Pragmática, da qual era signatário. Em A justiça social e a cidade, obra em que faz uma autocrítica, Harvey critica as teorias liberais sobre a cidade, empregando teorias marxistas e trazendo uma reflexão dialética sobre o espaço.

O brasileiro Milton Santos é outro que merece destaque nesse movimento de renovação. Na obra “Por uma Geografia nova”, ele tenta sintetizar seus trabalhos anteriores. Nela, Santos trás uma avaliação crítica da Geografia Tradicional e da renovação pragmática. Para ele, o espaço social é o objeto de estudo.

Fruto da produção histórica, esse espaço, cuja movimentação é dada pela dinâmica social, deve ser apreendido e estudado, dando destaque para o que Santos classificou como rugosidades. Estas seriam as formas duráveis no espaço, sua formação seria promovida pela acumulação de trabalho e consequente incorporação de capital, além das imposições sobre as ações presentes na sociedade, deixando  uma herança espacial que influi no presente.

Santos aponta a tecnologia, a cultura e a organização social como elementos que determinam a organização do Estado. A unidade de análise do geógrafo seria o Estado nacional, cujo estudo permitiria a compreensão de vários lugares em seu território. Além disso, o Estado nacional é o principal agente de transformação e o criador das rugosidades.

Na sua concepção, as diferenças entre os lugares seriam naturais e históricas e resultantes de várias combinações. O processo de modernização desigual e combinado, que beneficia o capital em detrimento do ser humano, é outro elemento diferenciador. Isso ocorre porque, nas palavras do autor,

"[...] a história do capital é seletiva, elege áreas, estabelece uma divisão internacional do trabalho, impõe uma hierarquização dos lugares, pela dotação diferenciada dos equipamentos. É tal processo que deve ser objeto de preocupação dos geógrafos que analisarão, em cada manifestação concreta, tendo em vista uma Geografia mais generosa e vendo o espaço como um lugar de luta." (p. 130)

Apesar de profundamente renovadora, a Geografia Crítica não rompeu totalmente com o que se fazia até então. Seus autores mantiveram os descritivos e empíricos procedimentos metodológicos na introdução de novos temas como a vida regional e as contradições ali existentes. Para Moraes,

"A manutenção da ótica empirista vedava a análise de processos essenciais e a explicação era sempre externa à Geografia. Pode-se-ia dizer que estes autores tinham uma ética de esquerda, porém instrumentalizada numa epistemologia positivista. Daí sua posterior superação." (p. 125)

Dessa forma, a crítica à Geografia Tradicional foi parcial e não resolveu as questões internas da disciplina. A disciplina se manteve como a ciência do levantamento dos lugares, tendo de buscar as explicações para os fenômenos fora dela. A contribuição de não-geógrafos, aliás, foram importantes por abastecer os estudos temáticos e fornecer um leque de influências externas para a Geografia Crítica.

A unidade foi outra característica desse movimento. Com objetivos e princípios comuns, os geógrafos críticos dispunham de uma unidade ética que se refletia na oposição frente à realidade social e a visão da disciplina como mecanismo de combate às injustiças.

A diversidade epistemológica deu à Geografia Crítica fundamentos metodológicos diversificados, tendo o traço crítico como único discurso comum. A ampla gama de orientações que o movimento abarcou estimulou a polêmica e permitiu o avanço das propostas. Disto isso, finalizamos com mais uma citação de Moraes:

"[...] pode-se dizer que o movimento de renovação, atualmente em curso na Geografia, com suas duas vertentes, reproduz, ao nível desse campo específico do conhecimento, o embate ideológico contemporâneo [...]. Os geógrafos críticos, em suas diferenciadas orientações, assumem a perspectiva popular, a da transformação da ordem social. Buscam uma Geografia mais generosa e um espaço mais justo, que seja organizado em função dos interesses dos homens." (p. 132)

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