APOLOGIA DA HISTÓRIA - PARTE 11 | FICHAMENTO

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BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício de historiador. Tradução, André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

4.1 JULGAR OU COMPREENDER?

"Existem duas maneiras de ser imparcial: a do cientista e a do juiz. Elas têm uma raiz comum, que é a honesta submissão à verdade. O cientista registra, ou melhor, provoca o experimento que, talvez, inverterá suas mais caras teorias. Qualquer que seja o voto secreto de seu coração, o bom juiz interroga as testemunhas sem outra preocupação senão conhecer os fatos, tais como se deram. Trata-se, dos dois lados, de uma obrigação de consciência que não se discute." (p. 125)

A história tradicional descritiva rejeitava qualquer forma de interpretação dos fatos, não impondo-os à análise. Essa máxima era dada em nome de uma imparcialidade sagrada e utópica.

Diferente de um juiz que, além de buscar a verdade precisa dar um veredicto, ao historiador não cabe condenar ou absolver os atores da História. Não é sua tarefa fazer qualquer juízo de valor sobre os fatos que ele estuda.

É por isso que o pesquisador não tem o poder de acusar e nem absolver e, de forma alguma, deve ver o passado sob a ótica do presente. Ao historiador cabe considerar os contextos e momentos em que as figuras históricas viveram, de forma que não escrevam nem pró e nem contra alguém; não exaltando e nem diminuindo.

Para isso é fundamental que não se deixem levar por escolhas ou paixões pessoais. Bloch indica na citação a seguir a tarefa do historiador em sua análise:

"Uma palavra, para resumir, domina e ilumina nossos estudos: ‘compreender’. Não digamos que o historiador é alheio às paixões; ao menos, ele tem esta. Palavra, não dissimulemos, carregada de dificuldades, mas também de esperanças. Palavra, sobretudo, carregada de benevolência." (p. 128)

Bloch aponta, então, que em seu trabalho, o historiador não julga, ele apenas compreende. Trata-se de um enorme desafio para o espírito humano, já que as impressões pessoais estarão sempre presentes mesmo que reprimidas. Tal situação é uma condição da humanidade.

4.2 DA DIVERSIDADE DOS FATOS HUMANOS À UNIDADE DA CONSCIÊNCIA

A realidade humana é enorme e variada e, por isso, não é possível reproduzi-la de forma mecânica e perfeita. Não é possível atestar os fatos e a realidade sem os filtros, que são as crenças e práticas, além das tendências particulares.

Ao ser analisada por meio dos testemunhos e documentos, a realidade humana fica submetida ao rigor científico. Mas, cabe ressaltar, que esses mesmos documentos são fruto de uma escolha, uma seleção prévia do pesquisador.

Tudo isso demanda maior compreensão dos fatos humanos, que só é possível através das diversas especialidades, que ajudam a classificar os vestígios. Bloch reforça, ainda, a importância da abstração no trato com as fontes:

"Mas, exclamarão alguns, as linhas que você estabelece entre os diversos modos da atividade humana estão apenas em seu espírito; não estão na realidade, onde tudo se confunde. Você usa portanto de ‘abstração’. De acordo. Por que temer as palavras? Nenhuma ciência seria capaz de prescindir da abstração. Tampouco, aliás, da imaginação." (p. 130)

A imaginação e a abstração, abominadas pela ciência tradicional e banidas por um positivismo mal compreendido, podem ser o ponto de partida para a revisão e flexibilização da análise, de forma a extrapolar os empoeirados manuais, indo além das formalidades do método e evitando o esgotamento da análise.

Bloch lembra que foi essa mesma abstração quem permitiu a decomposição das ciências e das áreas do conhecimento para melhor observação dos fenômenos, devendo elas fazer parte de um todo e não finalizarem-se em si mesmas. Isso fica claro nas palavras do autor:

"Aqui, portanto, nada mais nada menos que uma perspectiva, que outras perspectivas deverão completar. Este é, com efeito, em qualquer ordem de investigação, o papel de uma análise. A ciência decompõe o real apenas a fim de melhor observá-lo, graças a um jogo de fogos cruzados cujos raios constantemente se combinam e interpenetram. O perigo começa quando cada projetor pretende ver tudo sozinho; quando cada  canto do saber é tomado por uma pátria." (p. 131)

A realidade então é transformada em um mosaico onde cada fragmento é analisado por um campo da ciência. Esse mesmo mosaico está entrelaçado aos nossos espíritos, estando, portanto, sujeito ao filtro da seleção humana, sendo impactado por impressões pessoais.

Por isso, a presença humana não pode ser desconsiderada na análise, o que torna necessário conhecer as consciências individuais e coletivas durante a pesquisa executando a árdua tarefa de interpretar, diante de uma complexidade que não permite a existência de certezas absolutas.

"Sem dúvida, [...] essas relações em escala coletiva não são simples. Não se ousaria mais escrever hoje em dia, pura e simplesmente, que a literatura é ‘a expressão da sociedade’. Pelo menos não o é de forma alguma no sentido em que um espelho ‘exprime’ o objeto refletido. [...] Ela carreia, quase inevitavelmente, um grande número de temas herdados, de mecanismos formais aprendidos na oficina, antigas convenções estéticas, que são também causas do atraso." (pp. 133-134)

Bloch aponta para divergências em relação ao mosaico. Michelet defende a visão de diversidade, enquanto a mesma é crítica de Fustei de Coulange. Mas o autor encontra pontos em comum nas duas concepções ao destacar a impossibilidade de se ter noção do todo apenas unindo os fragmentos.

Por isso, a recomposição dos mosaicos da realidade deve ser feita depois da análise, onde todos os dados precisam ser cruzados, comparados e interpretados. Para finalizar, segue um exemplo disso dado por Bloch:

"Na imagem primitiva, [...] como teriam sido discernidas as ligações, já que nada se distinguia? Sua rede delicada só podia aparecer uma vez nos fatos classificados inicialmente por linhagens específicas. Do mesmo modo, para permanecer fiel à vida, [...] não é de forma alguma necessário pretender abraçá-la por inteiro, por um esforço geralmente muito vasto para as possibilidades de um único cientista. Nada mais legítimo [...] do que centrar o estudo de uma sociedade em um desses aspectos particulares [...]. Por meio dessa escolha meditada, [...] os fatos de contato e de troca ressairão com mais clareza. [...] O historiador nunca sai do tempo. Mas, por uma oscilação necessária, [...] ele considera ora as grandes ondas de fenômenos apresentados que atravessam, longitudinalmente, a duração, ora o momento humano em que essas correntes se apertam no nó poderoso das consciências." (pp. 134-135)

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