VIDAL DE LA BLACHE E A GEOGRAFIA HUMANA | FICHAMENTO

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MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. 21. ed. São Paulo: Anablume, 2007.


VIDAL DE LA BLACHE E A GEOGRAFIA HUMANA

“Como foi visto, a Geografia de Ratzel legitimava a ação imperialista do Estado bismarckiano. Era mister, para a França, combatê-la. O pensamento geográfico francês nasceu com esta tarefa. Por isso, foi, antes de tudo, um diálogo com Ratzel. O principal artífice desta empresa foi Vidal de La Blache.” (p. 77)

Para entender melhor a sistematização da Geografia na França, é necessário conhecer melhor o desenvolvimento deste país ao longo do século XIX. Ao contrário da Alemanha, a França passou por um processo de unificação precoce, centralizando o poder do Estado nas mãos da monarquia absoluta. A revolução burguesa, iniciada no século XVIII e completada no século XIX, levou à constituição de um Estado Burguês e à formação de uma burguesia sólida.

Esse ambiente permitiu o estabelecimento e consolidação do capitalismo francês, completados por Napoleão Bonaparte. As propostas progressistas para a época inseriram o país no tradição liberal, trazendo para o debate político as camadas populares. Inevitavelmente deu-se o acirramento da luta de classes na França, onde a burguesia, por meio do discurso ideológico da liberdade submetida à ordem, lutou para manter seu status quo. Sobre esta questão, Moraes escreveu:

"Por esta razão, a França foi o berço do socialismo militante e o lugar onde o caráter classista da democracia burguesa primeiro se revelou. As jornadas de 1848 e da Comuna de Paris, e suas sangrentas repressões, atestaram o cair da máscara da dominação burguesa, refletindo o fim da fase heroica desta classe, que agora era dominante e lutava para manter o poder do aparelho de Estado." (p. 76)

O papel da ciência neste contexto, colocada como eminentemente neutra, era se utilizar da veste da imparcialidade para legitimar o autoritarismo burguês em nome da ordem social.

Ao mesmo tempo em que era palco de uma luta de classes, a França disputava hegemonia na Europa com a Prússia, mais forte região do até então não unificado Império Alemão. O choque de interesses nacionais e as disputas entre essas duas potências

"[...] culminou com a guerra franco-prussiana, em 1870, na qual a Prússia saiu vencedora. A França perde os territórios de Alsácia e Lorena, vitais para sua industrialização, pois neles se localizavam suas principais reservas de carvão." (p. 77)

A Geografia francesa então se desenvolveu sob o peso da derrota para os germânicos e ambientada nos levantes populares da Comuna de Paris. Apoiada pelo Estado, a Geografia foi colocada nas séries iniciais do ensino básico durante a reforma da Terceira República. Também foram criados os institutos de Geografia, pautados na ideia de fortalecer o nacionalismo na França.

A sistematização do conhecimento geográfico se fez, ainda, a partir da necessidade de deslegitimar o pensamento da Geografia alemã, além de fornecer fundamentos para o expansionismo francês, divulgando os interesses das classes dominantes, tanto na Alemanha, quanto na França.

Paul Vidal de La Blache foi o primeiro grande expoente da Geografia francesa. Com formação acadêmica de historiador, ele publicou suas obras entre os séculos XIX e XX e fundou a escola francesa de Geografia, nascida para se opor às ideias defendidas por Ratzel e contextualizada pela conjuntura da Terceira República e da rivalidade com a Alemanha. Sua proposta em tom liberal se contrapunha ao autoritarismo estatal apreciado por Ratzel e partia do discurso defensor do homem abstrato do liberalismo.

Em suas discordâncias com Ratzel, La Blache criticou seu discurso politizado e condenou a  associação do pensamento geográfico aos interesses políticos do momento, defendendo então, o discurso positivista de neutralidade da ciência. Porém, Moraes alerta que

"Isto não quer dizer [...] que a Geografia vidalina não veiculasse uma legitimação ideológica dos interesses franceses. Apenas, esta veiculação era mais dissimulada, os temas políticos não eram tratados diretamente, a legitimação do imperialismo francês era mais mediatizada e sutil." (p. 79)

Logo, a proposta de La Blache em despolitizar o temário geográfico visava acobertar o conteúdo político da Geografia. Tal prática se deu, também, em razão do temor do potencial revolucionário que o conhecimento geográfico podia movimentar, promovendo apenas um saber   descomprometido com a prática social.

Vidal também se opôs a Ratzel ao rejeitar o caráter naturalista da análise geográfica, não aceitando a passividade do ser humano diante da natureza, negando, assim, a tese do determinismo geográfico. Rejeitando a ideia de determinação da história pelas condições naturais, La Blache propõe uma postura relativista para esta questão. Mesmo assim, Moraes pontuou:

"Entretanto, apesar de aumentar a carga humana do estudo geográfico, este autor não rompeu totalmente com uma visão naturalista, pois diz explicitamente ‘a Geografia é uma ciência dos lugares, não dos homens’. Desta forma, o que interessaria à análise seria o resultado da ação humana na paisagem, e não esta em si mesma." (pp. 79-80)

La Blache propôs uma visão de Geografia que ia além das descrições dos relatos de viagem, trazendo a relação homem-natureza como objeto de estudo. O ser humano sofreria influência do meio, mas seria ativo e poderia atuar para transformar o espaço realizando a chamada obra geográfica do homem.

No possibilismo, termo criado por Lucien Febvre para a teoria lablacheana construída em oposição ao determinismo, Vidal apresenta a natureza como palco das possibilidades para a ação humana constituindo o que ele denominou como gênero de vida a partir do equilíbrio entre a população e os recursos disponíveis, podendo ele se adaptar e reproduzir. Para Moraes,

"A teoria de Vidal concebia o homem como hóspede antigo de vários pontos da superfície terrestre, que em cada lugar se adaptou ao meio que o envolvia, criando, no relacionamento constante e cumulativo com a natureza, um acervo de técnicas, hábitos, usos e costumes que lhe permitiram utilizar os recursos naturais disponíveis." (p. 81)

No entender de La Blache, alguns fatores poderiam provocar mudanças no gênero de vida. O esgotamento dos recursos naturais era um deles, que estimularia a migração ou o aprimoramento tecnológico; o crescimento populacional era outro desses fatores, que levaria à busca de novas técnicas para suprir suas necessidades, além de criar um novo núcleo de povoamento, exemplificado pelo processo de colonização; o contato com outros gêneros de vida é o último desses fatores que o faria incorporar novos hábitos e adquirir novas técnicas. Para Vidal então,

"À Geografia caberia estudar os gêneros de vida, os motivos de sua manutenção ou transformação, e sua difusão, com a formação dos domínios de civilização. Tudo isto tendo em vista as obras humanas sobre o espaço, Isto é, as formas visíveis, criadas pelas sociedades, na sua relação histórica e cumulativa com os diferentes meios naturais." (pp. 82-83)

Os domínios de civilização seria uma área abrangida por um gênero de vida comum, onde poderiam ser criadas as oficinas de civilização nos pontos de convergência entre comunidades, difundindo os gêneros pelo globo colocando fim aos localismos.

La Blache defendia a manutenção das fronteiras europeias como domínios de civilização historicamente consolidados, numa clara crítica aos avanços da Alemanha sobre os territórios vizinhos. Ao mesmo tempo, legitimava o colonialismo francês ao ver os povos da Ásia e da África sob o que ele mesmo denominou como equilíbrio primitivo, que impedia o desenvolvimento necessitando, assim, do rompimento promovido pelo contato colonial numa clara ideia de missão civilizadora.

Apesar de opositor, os métodos de análise de La Blache prosseguiram com as formulações de Ratzel, diferindo apenas na colocação do relativismo em rejeição ao determinismo. Sua metodologia manteve a fundamentação positivista trazida pelas ciências naturais ao propor o empirismo indutivo, com explicação limitada dos elementos visuais da paisagem por meio da observação, comparação e classificação das áreas. Logo,

"A Geografia vidalina fala de população, de agrupamento, e nunca de sociedade; fala de estabelecimentos humanos, não de relações sociais; fala das técnicas e dos instrumentos de trabalho, porém não de processo de produção. Enfim, discute a relação homem-natureza, não abordando as relações entre os homens." (p. 84)

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