APOLOGIA DA HISTÓRIA - PARTE 01 | FICHAMENTO



 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício de historiador. Tradução, André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.


INTRODUÇÃO

“‘Papai, então explica para que serve a história.’ Assim um garoto, de quem gosto muito, interrogava há poucos anos um pai historiador. [...] Alguns, provavelmente, julgarão sua formulação ingênua. Parece-me, ao contrário, mais do que pertinente. O problema que se coloca, com incisa objetividade dessa idade implacável, não é nada menos do que o da legitimidade da História.” (p. 41)


É a partir desse questionamento que Bloch desenvolve seu texto. Tentando respondê-lo, o autor começa atentando para a importância da memória, destacando que para nós, ocidentais, ela é de extrema importância. A história, por sua presença em nossa religião e nossas heranças culturais, tendo nosso passado manifestado em nossa arte, ação e monumentos, realização e vivência de lembranças coletivas, faz de nós uma civilização essencialmente historiadora.


Bloch alerta então que, por conta da ineficaz interrogação do passado, pode-se produzir uma história mal entendida. Sua existência, no entender do autor, prejudicaria a história como um todo, colocando em risco a ligação ocidental com suas tradições intelectuais, levando a história ao mero entretenimento.


A atração, que exerce papel central em todas as áreas do conhecimento, nos leva a querer saber mais sobre a história, discorrer sobre ela, produzi-la. A curiosidade inicial se transforma em seriedade e rigorosidade. Tal passagem coloca à ciência o risco de se tornar enfadonha e objetiva demais. Mas não a história, pois segundo Marc Bloch:


"Por outro lado, que esse encanto esteja bem longe de se apagar, uma vez abordada a investigação metódica, com suas necessárias austeridades; que, ao contrário ㅡ todos os [verdadeiros] historiadores podem testemunhar isso ㅡ, ele ganhe mais ainda em vivacidade e plenitude: quanto a isso, de certa forma, não há nada que não valha alguma coisa para qualquer trabalho do espírito." (pp. 43-44)


Mas Bloch procura pontuar que a atração e a curiosidade não é a única justificativa para o fazer história. O autor diz que outra importância desse conhecimento é o fato de ele ser uma ciência presente em todas as outras, inerente à ação humana.


Sobre o empirismo positivista, Bloch diz que ele é insuficiente para legitimar o esforço intelectual do historiador ao medir o valor da investigação pelo seu pragmatismo. Para ele a história narrativa é inútil para a decisão prévia e incapaz de apaziguar o que ele colocou como fomes intelectuais, valorizando o saber em detrimento do compreender. Sobre isso, Bloch escreveu que,


"Independentemente até de qualquer eventualidade de aplicação à conduta, a história terá portanto o direito de reivindicar seu lugar entre os conhecimentos verdadeiramente dignos de esforço apenas na medida em que, em lugar de uma simples enumeração, sem vínculos e quase sem limites, nos permitir uma classificação racional e uma progressiva inteligibilidade." (p. 45)


A ciência então, deve criar possibilidades para uma vida melhor. No caso da história, deve-se acreditar que seu trabalho se dá em benefício da humanidade e da materialidade das ações humanas respondendo às dúvidas do senso comum. Segundo Bloch, é essa crença é quem deve guiar o trabalho do historiador.


Os que criticam a história por sua aparente inutilidade, questionam porque não a compreende. Essa visão é fruto da ignorância intelectual em relação ao fundamental papel da memória, que produzia críticas incompletas e pouco objetivas, que não reconheciam os métodos e técnicas do historiador.


A tarefa deste profissional, imaginada por muitos como a simples narrativa, envolve, na verdade, um grande esforço realizado num movimento constante no sentido de conhecer melhor. A história, carregada de incertezas no tempo do Marc Bloch e se constituindo como uma ciência em construção, estava presa ainda à narração dos acontecimentos apreensíveis, incapaz de penetrar nas entranhas do espírito humano, apresentando, naquela época, problemas metodológicos. O autor acrescenta que,


"As gerações que vieram logo antes da nossa, nas últimas décadas do século XIX e até os primeiros anos do século XX, viveram como alucinadas por uma imagem muito rígida, uma imagem verdadeiramente comtiana das ciências do mundo físico. Ao estender ao conjunto das aquisições do espírito esse prestigioso esquema, parecia-lhes então não existir conhecimento autêntico que não devesse desembocar em demonstrações incontinenti irrefutáveis, em certezas formuladas sob o aspecto de leis imperiosamente universais." (p. 47)


É ao longo da primeira metade do século XX que surgem duas tendências opostas para a historiografia. Uma delas, num caráter pancientífico, trataria da construção de uma ciência da evolução humana, com foco no estudo do acontecimento. A outra, cujos membros receberam o apelido de historiadores historicizantes e da qual Marc Bloch fez parte, percebeu a dificuldade de  enxergar a história nos quadros do positivismo. Fruto de uma atmosfera e do contexto histórico, esses historiadores ressignificaram a ciência histórica. Falando em nome desse grupo, Marc Bloch depõe:


"Não sentimos mais a obrigação de buscar impor a todos os objetos do conhecimento um modelo intelectual uniforme, inspirado nas ciências da natureza física, uma vez que nelas esse gabarito deixou de ser igualmente aplicado." (p. 49)


Ao final do texto, o autor coloca como um dos objetivos dessa obra orientar os jovens historiadores, aconselhando-os aceitar e refletir sobre suas hesitações como preparo para a assunção de uma escolha deliberada e para produção de uma história mais aprofundada. Ao assumir as irresoluções da ciência histórica, eles possibilitarão a renovação dos estudos, permitindo a superação do inacabado. Para finalizar, Bloch escreve que:


"Toda ciência, tomada isoladamente, não significa senão um fragmento do universal movimento rumo ao conhecimento. [...] esse estudo dos métodos em si mesmos constitui, à sua maneira, uma especialidade, da qual os técnicos se nomeiam filósofos. [...] Só posso apresentá-lo pelo que é: o memento de um artesão que sempre gostou de meditar sobre sua tarefa cotidiana, a caderneta de um colega que manejou por muito tempo a régua e o compasso, sem por isso se julgar matemático." (p. 50)


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