APOLOGIA DA HISTÓRIA - PARTE 09 | FICHAMENTO

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BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício de historiador. Tradução, André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

3.2 EM BUSCA DA MENTIRA E DO ERRO

“Deveria ser supérfluo lembrar que, inversamente, os testemunhos mais insuspeitos em sua providência declarada não são, necessariamente, por isso, testemunhos verídicos. Mas, antes de aceitar uma peça como autêntica, os eruditos se empenharam tanto em pesá-la em suas balanças que depois nem sempre têm o estoicismo de criticar suas afirmações.” (p. 97)

Nesta parte do capítulo Bloch alerta para a impostura em relação aos testemunhos. Muitos deles são falsificados, sendo lhes atribuído autor e data que nem sempre condizem com a realidade a fim de se passarem por autênticos. Tal atitude colabora para a fabricação de fatos que nunca ocorreram.

As mentiras sobre os conteúdos estão presentes nos documentos falsificados, citando mitos e figuras, dando-lhes personalidades, falas e qualidades que nunca tiveram. Tudo isso é feito com o intuito de enganar o historiador e falsificar o passado de uma sociedade. Bloch exemplifica essa situação ao relatar que,

"Todas as cartas publicadas sob a assinatura de Maria Antonieta não foram escritas por ela: acontece que foram fabricadas no século XIX." (p. 96)

É por situações como essas que a dúvida se faz importante. A busca de validação aos conteúdos, a comprovação das fontes e o questionamento sobre aquilo que parece falso nos permitem identificar os vícios nos documentos, suspeitando daqueles que demonstram rara perfeição, valorizando ainda mais as inexatidões próprias de registros muito antigos. Também é importante confrontar os diferentes testemunhos de sobre a mesma época, fato ou situação para poder verificar ali as inconsistências possivelmente presentes.

Identificar as causas que levam à falsificação de um documento permite ao historiador o melhor rastreamento da fonte que ele tem em suas mãos. Bloch atenta, ainda, para o fato de que a mentira pode se converter em testemunho, já que o ato de falsificar é um fato histórico e sempre serve a alguém ou a algum grupo interessado em manipular a história. Sobre isso, o autor escreveu:

"Seria pueril pretender enumerar, em sua infinita variedade, as razões que podem levar alguém a mentir. Mas os historiadores, naturalmente levados a intelectualizar em excesso a humanidade, agirão sensatamente ao lembrar que todas essas razões não são sensatas. [...] O cientista alemão que mourejou para redigir, em excelente grego, a história oriental, cuja paternidade atribuiu ao fictício Sanchoniathon, teria adquirido facilmente, a um custo menor, uma estimável reputação de helenista." (p. 98)

No teor das falsificações sempre aparecem as mistificações de personagens e a detração de outros. Essas manipulações também podem se dar por meio da adulteração de documentos autênticos e com invenção de detalhes inverídicos sobre fatos conhecidos. Essas manipulações são frequentes em documentos da historiografia antiga e medieval, mas também existem na modernidade. Muitas vezes elas são favorecidas por certas condições técnicas e quase sempre são muito bem executadas. Bloch exemplifica essa situação ao falar sobre a produção de uma edição de um jornal:

"[...] não há nada de inverossímil em supor que, para andar mais rápido - pois antes de tudo é preciso que edição saia a tempo -, as reportagens de cenas esperadas sejam às vezes preparadas antes da hora. Quase sempre, estejamos certos, o rascunho, depois da observação, será modificado [...] em todos os pontos importantes; duvida-se, em contrapartida, que muitos retoques sejam feitos nos traços acessórios, julgados necessários para dar cor e os quais ninguém pensa em controlar." (pp. 101-102)

Mas os erros em documentos podem ser involuntários, já que muitas falsificações de fontes históricas exigiriam o esforço da invenção e da criatividade. Resultados de impressões equivocadas, esses erros são motivados por entusiasmos e temores e podem ser provocados por rumores ou boatos. A utilidade de um fato criado e a facilidade de sua aceitação são outros fatores que permitem às falsificações se passarem por verdades.

Também existem os enganos testemunhais de boa fé, provocados por distrações daquele que o produziu ou por excesso de confiança sobre aquilo que se sabe, sem se preocupar em constatar. Isso também pode ocorrer por ter apenas a memória como fonte ou pela percepção equivocada. O erro de boa fé pode acontecer, ainda, por causa do cansaço e da emoção, pelo apego a uma ideia prévia da qual não se quer abrir mão ou baseado na confiança em relato de terceiros. Bloch, porém, alerta que

"Em certos espíritos, a inexatidão assume aspectos verdadeiramente patológicos [...] [,] essas pessoas não são geralmente as menos prontas a afirmar algo. Porém, se assim existem testemunhas mais ou menos suspeitas e seguras, a experiência prova que não se encontra uma cujas palavras sejam igualmente dignas de boa fé sobre todos os assuntos e todas as circunstâncias." (p. 103)

As dificuldades encontradas no momento de produção e coleta do testemunho também podem incorrer em erros documentais. Em fatos marcados por violenta perturbação emotiva estão registrados em testemunhos tardios, onde a surpresa pode se fazer presente ou com retenção de informações pela preocupação com a ação imediata. 

Pode ocorrer confusão e indefinição dos fatos, além de acontecimentos que nunca poderão ser plenamente esclarecidos, deixando o historiador à mercê de cronistas, artistas e testemunhos carregados de vícios. Sobre isso, o autor questionou:

"Através de qual rotina obstinada conservar a menor ilusão sobre a veracidade de todo esse bricabraque, no qual se alimentava a arraia-miúda dos historiadores românticos, ao passo que ao nosso redor sequer uma testemunha está em condições de reter corretamente, em sua integralidade, os detalhes sobre os quais tão ingenuamente foram interrogados velhos autores?" (p. 104)

É por isso que o autor atenta para a importância da explicação e confirmação dos fatos. São eles que conferem valor intelectual e científico para a história, promovem certezas sobre os testemunhos e dão a dimensão mais próxima do real aos acontecimentos. Além disso, eles orientam o método de trabalho, livrando o historiador de crenças e predeterminações enganosas.

O papel do imprevisível também é importante na análise do documento. Ele é parte dos testemunhos e é impossível de ser eliminado, já que é resultado da fragilidade da percepção momentânea do fato.

Portanto, é fundamental compreender a função da censura e da propaganda, que vigiam a imprensa, demandando a prevenção por parte daquele que interroga a fonte histórica. Desconfiar das informações oficiais é parte do trabalho do pesquisador, além de valorizar o banal e o cotidiano na sociedade. Dentro dessa ideia, Bloch escreveu que

"Os encontros regulares davam-se nos mercados por ocasião das festas religiosas. Assim, por exemplo, durante a alta Idade Média. Feitas a golpe de interrogatórios, tendo os passantes como informantes, as crônicas monásticas se parecem bastante com os mementos que nossos corporais ordinários poderiam ter elaborado, se tivessem tido o gosto. [...] Relações frequentes entre os homens facilitam a comparação entre os diversos relatos. Estimulam o senso crítico. Ao contrário, acredita-se piamente no narrador que, a longos intervalos, traz, por caminhos difíceis, os rumores de terras longínquas." (p. 108)

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